Forum Português de Música

Fórum onde se discute música clássica e cultura em geral.

 

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O MAIS TRISTE ESPECTÁCULO A QUE ASSISTI. REPUGNANTE!

O que é, afinal, um homem?
Estará, o homem, em fase de extinção?
Um homem só vale enquanto produz e quanto produz?
O homem trata o seu semelhante como nenhum outro animal trata o seu?
Hoje tive que ir ao Hospital de Santa Maria. Passei lá a manhã. O que, diga-se, não é muito animador. Mas enfim…
De saída, e já perto de um dos portões de entrada assisti ao “espectáculo mais triste e repugnante que me foi dado assistir.

Ontem fui ao Coliseu. Fui ao D. Quixote, bailado em 2 actos, pelo Moscow City Ballet. Foi péssimo. Senti-me incomodado desde o início. Cenários péssimos, maus figurinos, bailarinos maus. Se estivesse numa coxia ter-me-ia vindo embora ao fim de 10 minutos. Mal acabou o 1º Acto vim-me embora. Revoltado pelo dinheiro e tempo perdidos. Nem costumo ir a estes espectáculos duvidosos.
Mas cheguei a casa e senti-me compensado pelo tempo que não perdi a ver o 2º Acto.

Hoje chego a casa, depois do espectáculo a que assisti no Hospital e estou mal. Revoltado. Enojado.
Eram 12,40h e já perto do portão vejo um senhor – aparentava 65-70 anos – a empurrar uma cadeira de rodas onde ia sentada uma senhora com um envelope de RX no colo e uma perna toda engessada.
Oiço o segurança aos berros. A cadeira ia a cerca de 20 metros dele.
- Eh! Eh! Você. Não Ouve? A cadeira não pode sair do Hospital.

E foi-se aproximando da cadeira. E eu também. Queria ver o desfecho.

-A senhora tem que sair da cadeira. Levante-se lá.
- Nós vimos das Urgências. A minha mulher tem a perna partida. Pedimos lá para trazer a cadeira até ao autocarro. Eu comprometi-me a vir devolvê-la. Não temos dinheiro para pagar um táxi.
- Não senhor. Vá. Levante-se lá que a cadeira tem que ir para o hospital.

E a senhora levantou-se com a ajuda do marido agarrou-se ao seu pescoço e ele com um ar cansado de quem tinha passado horas nas urgências e de quem tinha a vida bem marcada na cara - pequeno, ar frágil, a suportar o peso duma pessoa apoiada numa só perna, aos pulos. E lá seguiam os dois. Ele quase a cair e ela a pular. Andariam 2 metros
por minuto. Faltariam seguramente 50 m para a paragem do autocarro.

Tentei falar com o segurança. Há casos em que temos que ser benevolentes e não cumprir ordens. Que não! A cadeira não pode sair do hospital.

Pedi a identificação da senhora (Por razões óbvias não divulgo aqui o seu nome). Pedi a outras pessoas que estavam a presenciar este triste espectáculo para me acompanharam a apresentar queixa no Gabinete do Utente. Todos se escusaram.

- Eu estou à espera da minha esposa, senão até ia.
- Eu estou atrasado. Devia estar ao meio-dia em Stª Apolónia e ainda aqui estou.
- Eu moro longe e se perco o autocarro chego quase à noite a casa
- Tenho que ir buscar o meu filho que ficou com a minha sogra enquanto vim a uma consulta.
-Tenho que ir ainda à farmácia e fecha à 1h.

E eu lá fui sozinho ao Gabinete do Utente fazer a reclamação no livro amarelo. Escrevi e deram-me a cópia branca.
Daqui a uns dias sei que vou receber uma carta da Administração do Hospital a dizer que desaparecem tantas cadeiras por ano e têm que ser tomadas estas medidas.

Afinal uma cadeira vale muito mais que um homem.

E eu acho que, na verdade, todos os homens que fogem à denúncia destes casos desumanos, valem muito menos que uma cadeira.
Vivemos num mundo em que cada vez mais fugimos de tudo o que não nos dê um prazer imediato. E de todos! Somos nós todos que temos responsabilidade por situações destas.

Re: O MAIS TRISTE ESPECTÁCULO A QUE ASSISTI. REPUGNANTE!

" Se isto é um homem" de Primo Levi...

Um abraço.

Re: O MAIS TRISTE ESPECTÁCULO A QUE ASSISTI. REPUGNANTE!

Horrível, de facto.
Escreva uma carta ao Ministro da Saúde e envie cópia para o jornal Público. Era o que eu faria.
E parabéns pela sua atitude.

Re: Re: O MAIS TRISTE ESPECTÁCULO A QUE ASSISTI. REPUGNANTE!

Não precisa de me dar os parabéns( A nossa indiferença pelos outros está tão vulgarizada que até sinto tristeza se há lugar a parabéns pelo cumprimento de um dever cívico. O contrário é que será de condenar) . De resto fiquei com um grande problema de consciência por não ter pago o taxi para o regresso tão cruel. Não ficaria mais pobre. Mas perante aquele espectáculo tão duro apenas me veio o protesto.
A reclamação que fiz, no livro amarelo, é nos termos da lei, enviada no prazo de 5 dias ao ministério da saúde (gabinete do ministro) e à Administração Pública.

Re: O MAIS TRISTE ESPECTÁCULO A QUE ASSISTI. REPUGNANTE!

Sobre a reclamação que apresentei no Gabinete do Utente do HStª Maria, em 8 de Maio, recebi hoje uma carta do Conselho de Administração juntando a resposta dada pela Directora do Ser. de Logística Geral e que vou transcrever na íntegra. São estas as pessoas que nos mandam, que têm um "tacho", normalmente bem pago, para tornarem mais humanos os serviços prestados aos utentes nos Cuidados de Saúde. Estudaram para dirigir. Têm um cérebro de gelo ( Apetecia-me dizer outra coisa, mas não quero ser mal educado) Não tenho respeito algum por semelhantes "bestas" sem ofensa para as ditas.
Devo esclarecer que a minha reclamação não foi contra o segurança que, provavelmente - dizia eu - cumpria ordens. Foi antes contra a falta de humanização dum acto passado num Hospital.


" RESPOSTA À RECLAMAÇÃO


Relativamente ao assunto citado em epígrafe, e após análise do conteúdo da reclamação e do relatório elaborado pelo responsável da empresa de vigilância, cumpre-me informar que o vigilante agiu no cumprimento dos seus deveres profissionais.
De facto, de acordo com o regulamento interno do Hospital não é permitido sair do recinto Hospitalar com cadeiras de rodas pertencentes ao Hospital, de forma a evitar o desaparecimento das mesmas.
Para facilitar o transporte de utentes com dificuldades de locomoção, o HSM permite a entrada dos veículos de familiares do utente.
Com os melhores cumprimentos,
A Directora do Serv de Logística Geral
(assinatura legível)"

A infelicidade desta resposta mostra bem a crueldade do ser humano.

Eu fui nos últimos anos 2 vezes às urgências do HSMaria. Numa das vezes esperei 7 horas. Na outra porque já tinha uma carta do Centro clícino esperei 5 horas.

Quantas horas terá esperado este casal? Se são reformados quanto será o valor que recebem? (Provavelmente menos por mês do que a DISTINTA Directora por dia). E azar doa azares, eles que não têm familiares com carro, logo nesse dia em que a senhora partiu a perna tinham dado folga ao seu condutor.

Estou farto de gente desta. Prepotentes. Canalhas! Gente reles. Baixa. Ordinária. Metem-me nojo. Revolta-me pensar na mesquinhez desta gente inútil que tem poder sobre nós!