Forum Português de Música

Fórum onde se discute música clássica e cultura em geral.

 

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Re: Re: Novas descobertas

Meus amigos: instalem se puderem uma antena parabólica (de preferência orientável para 2 ou 3 satélites) e vão ver (e sobretudo ouvir...) a quantidade suficiente de estações que captam, de música erudita (e não só), de bastantes países deste mundo.

Re: Re: Re: Novas descobertas

Mas o que eu gostava é que a nossa Antena 2 melhorasse e não piorasse. Que transmitisse mais música contemporânea, que tivesse uma programação mais cuidada. Servisse mais os nossos compositores e os nossos intérpretes. Eu quero que a rádio que nós pagamos tenha a preocupação de ser cumpridora do sua obrigação de serviço público. Nem eu nem a maior parte das pessoas neste país onde cada vez se vive pior, pode comprar parabólicas.Não quero parabólicas. Quero uma antena 2 não à minha medida - seria uma rádio onde se ouviria certamente violoncelo em excesso para a maior parte dos ouvintes, mas uma rádio com uma programação bem diversificada, sem excessos ( acho que hoje tem jazz e musicais americanos em excesso) mas também sem faltas (a música contemporânea e os nossos músicos são, em meu entender, muito pouco passados na A2).

Re: Re: Re: Re: Novas descobertas

A grande questão aqui não é tanto a música contemporânea, pois descobertas musicais podemos ê-las em qualquer época. Poderia aqui mencionar obras de William Byrd, Josquin des Prés, Biber, Janácek, Dvorak, mesmo Mozart, que descobri há muito pouco tempo, e com delícia. O problema é, relamente, passar 5 ou 6 vezes a mesma estafada obra, e esperar que isso faça as vezes de cultura musical. Uma obra tão popular como uma 5ª Sinfonia de Beethoven não deverá ser arredada dos programas, é claro, aliás, deve ser tocada com regularidade e frequência, pois é uma obra prima essencial. Mas tal não obsta a que se toque demasiadas vezes. Isso prejudica a obra, pois vulgariza-a, impede o trabalho da memória, que é o que enriquece uma obra de arte. O confronto entre a memória que temos do objecto e o reencontro com esse objecto, é uma das experiências artísticas mais relevantes para mim. Principalmente numa arte, como a música, que vive da memória, pois decorre no tempo, ao contrário de um quadro, por exemplo, que se abarca de uma só vez com o olhar (mesmo que depois quando o olho percorre pormenores, há sempre uma visão de conjunto que permanece).

Programar é muito difícil, mas pode ser feito. Não basta equilibrar instrumentos, estilos e épocas, ou peças mais profundas e mais ligeiras, mais longas ou mais curtas. Além de todos estes factores, existem outras lógicas possíveis, fios de Ariana que podem ser explorados: tonalidades, conceitos, programas, motivos musicais comuns, nacionalidades, forma, menos instrumentos/mais instrumentos ou vozes, etc e muitos etc's mais.

Para tal, a RDP precisará de uma orientação fundamental, a saber: para que serve a RDP, quais os objectivos em função dessa "função" (passe a repetição pleonástica), e como atingir esses objectivos.

Não se conquista público jovem através de programas idiotas (conquistar-se-á, eventualmente, apenas outros idiotas), nem através de programas chatos e sem vida (nem jovens nem menos jovens. Mais uma vez, só se conquistam outros chatos). Como a percentagem de chatos e idiotas, mesmo num país que ultimamente tem andando tão chato e idiota, como o nosso, é relativamente pouco elevada, a RDP não subirá as suas audiências.

Seria essencial, para além de definir uma filosofia moderna e inteligente, verdadeiramente cultural no mais abrangente sentido da palavra, e estabelecer objectivos, melhorar a rede de emissores, modernizar os quadros, locutores e colaboradores (sempre nivelando pela mais alta qualidade, claro), fazer uma promoção eficiente para dar a conhecer a estação às pessoas que ainda não a conhecem (há muitas maneiras de o fazer).

Finalmente, last but not least, a função de arquivo de música, quer clássica quer ligeira, em forma de partituras e gravações, o apoio aos compositores e intérpretes portugueses (em todas as formas), a ligação mais pessoal da estação com o público (quer através de foruns, quer através de números telefónicos mais difundidos, de programas interactivos, de uma página Web mais eficiente, etc), tudo isto deveria ser objecto de maior cuidado. A RDP é uma estação pública, logo, deve existir para servir o público.

Poderiam tomar por modelo a BBC, ou outras congéneres estrangeiras que já provaram funcionar bem. Não quero com isto dizer que tudo o que vem lá de fora é bom, apenas que podemos olhar para outros lados e ver se existem modelos que funcionam bem, e, nesse caso, tentar então perceber porque é que funcionam bem.

Quando era miúdo tornei-me fiel ouvinte da RDP graças apenas aos programas da melhor qualidade: João de Freitas Branco, António Cartaxo, etc, e à música da melhor qualidade. A minha primeira revelação da Tetralogia de Wagner foi através da RDP, nos velhos tempos em que era possível eles passarem uma obra destas completa no mesmo dia (uma das 4 óperas do ciclo, claro, senão seriam 16 horas só com Wagner!).

Enfim, muito haveria a dizer sobre o assunto. Haja vontade política e gestora, e as coisas podem fazer-se.

Gostaria ainda de dizer que não fiz nenhuma refer~encia a nenhum programa actual da RDP nos comentários acima sobre idiotas e chatos. Pus apenas um modelo teórico na mesa, que deve ser evitado. Os programas devem ser inteligentes e estimulantes, e, principalmente, fomentar o amor pela música. Não o gosto, repare-se, gosto temos todos, ou quase todos. Falo do amor, que é o único sentimento com o qual merece a pena abordar qualquer assunto da humanidade, seja ele as relações pessoais e entre países, seja a fruição artística e a própria vida em geral.

Um de vós, neste forum, falou há tempos de um artigo, julgo que vindo a lume no Expresso,(que eu não li), de um senhor que se referia à música como qualquer coisa que lhe servia de fundo, ou de mero "divertissement", para outras tarefas, supostamente mais elevadas. esse senhor, claramente, gosta de música. Se não gostasse, nem sequer a escutaria (a não ser que seja masoquista, há-os por aí!). Mas esse senhor, claramente também, não ama a música. Se a amasse, fruiria dela de uma outra maneira.

É isso que é preciso fomentar, o amor pela música.


Cumprimentos a todos,

Sérgio Azevedo

Re: Re: Re: Re: Re: Novas descobertas

Concordo com o que diz o Sérgio de Azevedo. Apenas referi a música contemporânea por achar que ela "sofre" duplamente:todos os problemas da música de outros períodos e a "exclusão" por ser dos nossos tempos. Ora isto não faz qualquer sentido. Devia ser dado um papel fundamental à música do tempo em que vivemos. Sem ser divulgada, não pode ser conhecida, e não se pode gostar do que não se conhece. E a música não pode ser escrita para a gaveta. A música só existe para ser tocada e ouvida.
Acho que o é dito aqui pelo Sérgio de Azevedo é extremamente importante.É dito por quem sabe música quem sabe o que está a dizere critica com sentido construtivo. Não pode, pois, ser acusado como é usual acontecer a quem aqui critica por pouco que seja a A 2, de "bota-abaixista", de velhos do restelo, de todos os nomes e mais alguns. No fundo o que nós gostávamos todos era de ter uma Antena 2 cada vez melhor, de que não se andasse a brincar às rádios com programas do mais baixo nível. Queremos que a programação melhor de modo a conquistar novas audiências sem afastar ninguém e não que sejam afastadas audiências sem sequer conquistar novas.

Re: Re: Re: Re: Re: Re: Novas descobertas

Rectifico dizer em vez de dizere. o que eu quiz escrever foi: "...sabe o que está a dizer e critica com sentido..."
As minhas desculpas

Ok! Será que não podiamos ...

forçar a A2 a transmiti-las através dos "Discos pedidos"?

Só para furar o bloqueio ...

Re: Novas descobertas

Começa este forum a levantar questões importantes.

Pacientemente lá vou pedindo para o "Que quer ouvir", e gravando em CD, as obras que estão nos arquivos sonoros da RDP.

Claudio Carneiro cantado por Arminda Correia,Sá e Costa ou Nella Maissa a tocar Armando José Fernandes,Frederico de Freitas ou Silva Pereira a dirigirem Freitas Branco,Joly a dirigir Armando José Fernandes etc,etc.

São imensos os Arquivos da RDP da música portuguesa mas lá estão sossegadinhos.

Para o dia 26 está prometido o Vathek mas dirigido por Joly. Que tal será?

É de facto uma pena que a programação não tenha a qualidade da locução/apresentação que é excelente.

Também eu sou um adepto do satélite e não é tão caro como alguns julgam.

Considerações pessoais

O problema de fundo é o gosto pessoal de cada um.
Contrariamente aos adeptos da música usualmente designada por contemporânea, não creio que a culpa da menor aceitação desta provenha de quem pode divulgar publicamente e mesma.
Por exemplo, comparem a assistência dum ciclo da FCG com a dos concertos de música orquestral romântica. Não é por falta de divulgação que a maioria prefere obras mais tradicionais; tem sempre existido essa divulgação, inclusive na A2. A questão é bem mais profunda e não tenho pretensões a puder enumerá-las todas.
Aliás, os amantes de música mais antiga, e são cada vez mais hoje em dia, queixam-se do mesmo.
Deixando de parte o facto que muitos têm dificuldade em aceitar, que o grande público prefere de facto obras mais tradicionais (e se calhar está no seu direito), a realidade é que todos gostaríamos de ouvir mais vezes aquilo que preferimos em detrimento do que habitualmente é transmitido.
(por exemplo, a maioria parece e preferir a conversa sem fim da A2 em vez de música)
Um exemplo grosseiro é aquele da pessoa que está indecisa quanto à escolha de um automóvel e que só obtém conselhos não do que realmente preciso mas sim daqueles que os conselheiros gostam mais.
Ainda recentemente vi pessoas abandonarem o auditório entre um concerto para piano e orquestra de Chopin e uma sinfonia de Bruckner.

Não me vou alongar sobre a lista de obras ditas contemporâneas, já que poucas dentro dela me interessam. Aprecio de facto Roussel, mas também compositores portugueses que poucos ouvem.
Das obras mencionadas, admira-me a escolha de Sibelius, já que a segunda sinfonia me agrada mil vezes mais que as restantes.
E que mal tem a 5ª sinfonia de Joly Braga Santos?
Se a questão consiste em obras menos ouvidas, independentemente da época, permito-me colocar umas perguntas:
Porquê a nº25 de Mozart, já que há melhores na minha opinião, nomeadamente as que o grosso do público prefere. Já não me espantaria uma referência à nº39, por exemplo, que raramente se ouve, apesar de a achar claramente semelhante às mais populares, por exemplo 36 e 38 (recuso-me a comentar a nº40). Se, alternativamente, se referissem alternativas como as de J. C. Bach, por exemplo, compreenderia.
Outro exemplo, e não me importo de escandalizar, são as segunda e quarta de (porque não?) Beethoven, que pouco se ouvem.
Outra omissão do dia a dia, não da lista, quantos ouvem suites de Bach por inteiro, em vez de apenas a Ária da suite nº3? Quem ouve as Variações Goldberg, e não só, em cravo, em vez das habituais (porquê?) transcrições para piano?
Porque é que não aparece Shostakovitch nessa lista? Nem sequer a 5ª sinfonia?
Enfim, o tópico é infinito.
Já agora, experimentem a Street Music de William Russo.
Por último, além da exposição exagerada das obras mais conhecidas, outro factor que as torna menos populares junto de alguns são as interpretações; experimentem comparar Tchaikovsky interpretado por russos com as versões mais populares tipo EMI ou Deutsche Grammophon...

Re: Considerações pessoais

Vou apenas tocar num dos pontos que aborda por me parecer que há um erro de interpretação. E por entender que é um ponto fulcral. Divulgar a música contemporânea não é (só!) divulgar os concertos que se fazem com este tipo de música. Os concertos na FCGulbenkian estão quase sempre de sala vazia com compositores e intérpretes excelentes precisamente porque as pessoas não estão habituadas a ouvir música contemporânea. Daí que eu diga e entenda que é essencial que seja passada com mais frequência numa rádio que deve cumprir um serviço público. Se essa função fosse cumprida com certeza que os concertos teriam mais público.
E não se trata de querer impôr o que quer que seja. Pelo contrário. A programação deve ser bem diversificada de modo a que as pessoas possam escolher.

Re: Considerações pessoais

Boa noite a todos,


Não me vou alongar muito, até porque o tempo urge-me para outras coisas (digamos apenas que estou em época de exames, epoca sempre cansativa e crítica), porém não quero ser mal interpretado. Referi uma lista apenas de obras que eu próprio aprendi a gostar, ou descobri, mais recentemente. Não pretende ser exaustiva nem pretendi impô-la como guia fosse do que fosse. Apenas sugeri que, tal como eu descobri essas obras, algumas das quais realmente pouco conhecidas (nem todas, é óbvio), parecia-me que era dever da rádio passar bastante mais repertório desconhecido (mas bom), pois nem toda a gente tem dinheiro para CD's e na rádio pode-se aprender muita coisa. Eu próprio aprendi muita coisa pela rádio, quando esta transmitia mais variedade musical do que agora, em que me parece mais limitada nas escolhas.

Esta a razão para, por exemplo, não aparecer nenhuma sinfonia de Chostakovitch na minha lista de descobertas, pois já as conheço todas há alguns anos, bem como às primeiras duas de Sibelius, ou seja, precisamente as mais populares, especialmente a 2ª e ainda ao Mozart.

Com efeito, a minha lista podia continuar ad infinutum, e incluir obras de Wilhelm Friedmann Bach, Carl Philip Emanuel Bach, obras de Mozart escritas aos 14 anos, etc, etc. Não quis colocar mais obras, pois a lista servia apenas o meu propósito de chamar a atenção sobre algumas das coisas que a rádio devia fazer com mais frequência, que é ajudar as pessoas a descobrir novas obras de todas as épocas, em vez de se limitar a um repertório cada vez mais limitado.

Este ponto assente, gostaria ainda de dizer algumas coisas sobre a questão da música contemporânea, que é uma questão muito complexa, e que não será aqui respondida (não tenho receitas nem creio que alguém as tenha para o problema), mas que pode ser aqui debatida, pelo menos.

Em primeiro lugar, quero deixar bem claro que, para mim, não se tocar mais Berio ou Xenakis é tão grave como não se tocar mais Janácek (século XIX-XX), mais portugueses, mais Berwald (séc. XIX), mais Willhelm Friedman Bach (séc. XVIII), mais Gesualdo (séc. XVII) e muitos mais ainda. Toda a boa música que não se toca ou se toca pouco é um pecado (este termo sem as conotações religiosas, usado no sentido comum). É um pecado contra a inteligência, contra a emoção artística, contra a compreensão da história e do homem, contra a liberdade de escolha. Repare-se que quando não há discos, concertos, livros, etc, sobre um certo compositor ou período, a nossa liberdade de escolha é muito reduzida. Como é que pode afirmar que o público não gosta de música x ou y? nem sequer a tem para poder escolher! Porque não é com meia-dúzia de concertos por favor que a situação muda. Ainda por cima, a nossa liberdade de escolha é ditada pelas grandes multinacionais da cultura discográfica e dos empresários de concertos, podres de rico. Eles é que ditam aquilo que nós podemos ou não ouvir. Estamos nas mãos de meia-dúzia de indivíduos que ditam o nosso gosto. Nós pensamos que é nosso, mas muitas vezes ele é apenas o resultado da ignorância plantada pelos ditames das modas impostas pelas galerias, circuitos de concertos, revistas especilaizadas, managers, etc, etc.

Note-se que uma obra hoje tão louvada como a 9ª Sinfonia de Beethoven, tardou décadas a ser tocada em certos países (Portugal foi dos últimos a ouvi-la completa, creio que no fim do sécuko XIX ou mesmo em princípios do XX), foi muito criticada na época (Weber disse que Beethoven devia estar bêbado quando escreveu tal obra (!), Mahler achava que a orquestração era má e mudou-a, críticos ingleses do século XX afirmam, nos anos 50, que o 3º andamento é mau, e é pena Beethoven ter escrito tal porcaria ao pé dos geniais 1º, 2º e 4º andamentos, outros queixam-se do final coral, que "estraga" a obra, enfim, a listade críticas não tem término). Agora, imaginem que, por causa dessa má recepção (exceptuando a estreia, que parece ter sido boa), a obra era só tocada muito de vez em quando, que não se gravava, enfim, que lhe faziam o mesmo que fazem a obras mais recentes. Será que agora teríamos a 9ª Sinfonia de Beethoven num pedestal?

Para informação de quem não saiba, até há bem pouco tempo, a música de Mahler era pouco tocada e apreciada, pouco conhecida e considerada a música excêntrica de um genial maestro mas fraco compositor, Bruckner idem (houve quase campanhas no século XX, em Inglaterra, para tentar fazer a música de Bruckner mais apreciada. Durou décadas até surtir efeitos), Janácek só há cerca de 20 anos é que começou a ser considerado o importante e genial compositor que é, dantes nem sequer era mencionado em certos dicionários e histórias da música. Querem mais?

Quer dizer, Messaien, Lutoslavsky, Berio e Xenakis, alguns dos nomes mais importantes da vanguarda, morreram quase agora, ontem, Penderecki e Ligeti, Boulez e Stockhausen ainda estão vivos. Se Beethoven e Mahler tiveram de esperar tantos anos para serem reconhecidos, ou algumas das suas obras, que dizer destes? Ainda estão entre nós!

E que dizer da popularidade da música? garanto que há mais público para Stockhausen (os concertos dele estão sempre esgotados) que para os últimos quartetos de Beethoven ou de Mozart. Música difícil de ouvir à primeira, sempre a ouve, e até já há muitas obras modernas e contemporâneas populares, ou a caminho disso. Exemplos? A Sinfonia de Berio, tocada recentemente na Gulbenkian, com casa à cunha, as Folk Songs do mesmo compositor, a Sagração da Primavera, de stravinsky, um dos maiores escândalos dos
últimos 90 anos, agora são inúmeras as suas gravações, concertos, ballets, arranjos, etc. As estreias de Wagner, sempre contestadas! Durante décadas houve uma luta entre partidários e adversários do homem, até chegar a algum consenso hoje. O fracasso da Carmen, que praticamente matou Bizet de desgosto, e que agora é um "hit". Ainda há alguns meses assisti a um Pierrot Lunaire em Cascais, com a Orchestrutópica, com a casa a abarrotar e pessoas em pé, a aplaudirem freneticamente uma obra de escuta difícil, mas que, bem anunciada, bem tocada e bem explicada, tiveram o mesmo efeito que uma sonata de Chopin. E por falar em Chopin. Chopin popular? Algumas obras, as mais fáceis, sim. As das meninas do francês e do tocar piano. As lesmas do conservatório, que lá iam arranhando umas valsas e uns nocturnos dos primeiros. As Sonatas eram consideradas más, as Mazurkas mais cromáticas não eram tocadas (e não era pela dificuldade de execução).

Não sei pois se vale a pena continuar. Todos estamos no direito de gostar mais ou menos deste ou daquele período da música, deste ou daquele compositor, desta ou daquela obra, ou até mesmo fragmento de obra. Posso ficar aqui a discutir se os primeiros compassos da Opus 111 são melhores que os últimos e vice-versa, mas essas questões de gosto não levam a lado algum. O importante é:

1. Toda a música deve ter oprtunidades iguais de divulgação, independentemente da primeira reacção do público, pois uma obra nova, seja de que época for, é sempre recebida mais friamente que uma obra conhecida (há sempre excepções, claro). É preciso aprender a conhecer essa obra, tal como uma amizade vai cimentando ao longo dos anos, ou até mesmo desaparecendo. A relação do ouvinte com a música, uma relação de amor, sofre altos e baixos, e muda com o tempo, a favor ou contra, ou permanece neutra.

2. Um público a quem começaram aos poucos a afastar da música do seu tempo, por causa das ganãncias de dinheiro rápido e fácil das agências de concertos e companhias discográficas, se em 1910 ainda podia perceber que Stravinsky não era assim tão pior que Wagner, em 2004, se ficou pelo Wagner, nunca poderá aceitar Xenakis, pois existe um hiato temporal de mais de 120 anos entre os dois. Esta situação é, infelizmente, a de muitas pessoas. Não se pode só conhecer Vivaldi, e de repente, aos 30 anos, ouvir Penderecki. É fatal.

3. Está mais que provado que não existe nenhum parti-pris nas crianças contra nenhum estilo de música ou arte. Nada inato, apenas aprendido. Uma criança como eu, que cresci em casa de um pai músico, na qual se ouvia desde fados de Coimbra (o meu pai é guitarrista da escola coimbrã, Carlos Paredes, etc) até Stravinsky e Schoenberg, não terá nenhuma problema em amar todo o tipo de música, como me aconteceu a mim e colegas meus que tiveram essa sorte. É uma questão de hábito. Curiosamente, quando entrei para a ESML como aluno, como só conhecia e estava habituado à música feita até à primeira metade do século XX, estranhei a música dos contemporâneos quando a ouvi pela primeira vez na ESML. Tive de me habituar a esse novo universo, como durante a infançia, inconscientemente, me habituara aos restantes universos musicais. E agora ouço de tudo, desde canto gregoriano e folclore até Xenakis ou Peixinho. Claro que alguns compositores não me agradam tanto, claro que gosto mais de certo tipo de música que de outro, mas pelo menos tenho a certeza que não gosto, não por limitação cultural ou de hábito, mas sim porque não tenho empatia natural. Ou seja, o meu gosto não é vítima de preconceito, mas sim o resultado natural de uma escolha livre e consciente, pois tive a oportunidade de escolher ouvir, de ouvir tudo e mais alguma coisa, e só depois decidir.

Não sei se me fiz compreender, a questão é complexa, mas espero que algumas destas dicas possam pelo menos fazer pensar duas vezes sobre o fenómeno. Existem charlatões na nova música? decerto, mas também os existiram no passado. Desde que há arte que existem artistas sérios, arrivistas, oportunistas, medíocres, génios, etc. Quem não conheça bem a história da música nem faz ideia das atrocidades artísticas que se cometeram no passado, atrocidades e maus gostos ao pé dos quais a peça silenciosa para piano de John Cage (os célebres 4'33"...) faz figura de santinha de cara séria!

Já o disse várias vezes e repito-o. É fácil ver onde há um músico charlatão: os que ficam ricos. Nem todos os que ficam o são, evidentemente (Stravinsky, Puccini, etc), mas o que o são não morrem pobres, como Bartók, Satie, Schoenberg, Berg, Webern, Peixinho e muitos mais.

Meus amigos, Bartók morreu tão pobre que teve de ser enterrado a expensas da Sociedade de Compositores Americana, Berg morreu de uma infecção mal tratada (uma picada de mosquito nas costas) porque não teve dinheiro para consultar um bom médico imediatamente, Satie viveu toda a vida num quarto miserável com uma cama, uma cadeira e um guarda fatos...

Estes génios viveram assim, porque acreditavam na sua mensagem e na sua música. Não me atrevo a chamar a um homem destes um charlatão. Viver assim por uma causa, talvez a causa seja boa. Ou seja, trocando por miúdos, talvez a música seja boa e o problema seja mesmo meu se não gosto.

Há que ter a humildade (eu tento tê-la, sem querer aqui ser um modelo para ninguém) de, quando confrontados com uma obra nova, uma obra de linguagem menos conhecida, da qual não se gosta à primeira, reconhecer que o problema da falta de comunicação entre o criador e o público (neste caso, eu), poder residir, não na falta da obra, mas na falta do receptor. Normalmente ninguém gosta de reconhecer que tem limitações, e perante uma obra que não gosta, a maior parte de nós reage tipo "é uma porcaria, não gosto", ao invés de reagir "bem, é uma obra de Xenakis, Xenakis é considerado um grande compositor por muita gente, tem uma obra importante reconhecida pela crítica internacional, se calhar sou eu que não tenho cultura, ouvidos, capacidade de absorção imediata, ou seja o que for que é preciso para apreciar á primeira audição esta obra. Vou tentar ouvi-la mais vezes para ver se o problema é mesmo meu, ou da obra. Se ao fim de algumas audições, o estilo já me for familiar, mas continuar a não gostar, então se calhar a culpa é mesmo da obra, para o meu caso" (e neste caso, o gostar ou não gostar nunca é universal. Eu posso não gostar de x peça, mas ainda assim reconhecer que é uma grande obra. Não aprecio sobremaneira Gabriel Garcia Marques, por razões de falta de empatia com o universo cultural sul-americano, mas tenho cultura e gosto suficientes, e humildade, para saber que é um grande escritor. Não o digo pelos outros, mas por mim. Eu sei que é um grande escritor, mas outros dizem-me mais que ele, pelas tais razões inefáveis do gosto, que só Deus sabe. Ou o Diabo!


Cumprimentos a todos,

Sérgio Azevedo

Re: Re: Considerações pessoais

Bem, eu não queria MESMO alongar-me!

Re: Re: Re: Considerações pessoais

Mas ainda bem que se alongou. Não se excedeu.

Re: Re: Re: Re: Considerações pessoais

Concordo. Exprimiu-se bastante bem. Tomara este fórum ter mais intervenções tão boas.

No entanto... Já ouvi repetidas vezes a teoria segundo a qual quando não apreciamos uma obra a «culpa» não é desta mas sim nossa, que (ainda) não estamos à altura dela. Não concordo com isso em termos gerais. Mesmo admitindo que nem sempre estão (ainda) reunidas as condições necessárias para gostarmos dessa obra, por vezes acontece que nem ao fim de quarenta anos gostamos dela. É um facto, até bastante frequente. Por vezes (imensas, diga-se) o fenómeno é até colectivo. Será que não há obras más? Claro que há, e as que eu acha más não são as mesmas que outros acham.
Lembro que nem toda a gente tem a mesma opinião e há quem não se importe de chamar as coisas pelo seu nome e dizer que o rei vai nu. A impunidade dos músicos não tem razão de ser. Só porque são músicos não deixam de ser bons ou maus.

Outra coisa com que não concordo é a ênfase na falta de divulgação da música contemporânea, sobretudo no que respeita à A2. Quem a ouve há cerca de trinta ou quarenta anos sabe bem que isso não é verdade. Como escrevi antes, queixas do mesmo género há muitas, vindas de quase todos os quadrantes, sejam eles amantes de música antiga, barroca, etc. Só não parece haver queixas é quanto à conversa sem fim com que a A2 nos presenteia sem parar...
(para não falar da clara preferência por obras curtas, de pequena dimensão, e vocais)

Há também a questão «temporal». Repare-se que, por exemplo, Bach, e sobretudo Vivaldi, foram praticamente ignorados (Vivaldi totalmente desconhecido, mas isso deve ter sido obra da igreja) durante imenso tempo, até algo recentemente, o que é verdadeiramente inacreditável. Mesmo assim, em tempo verdadeiramente record, a música de Bach acabou por ser o que é hoje em dia. Que outras músicas poderão ambicionar o mesmo, daqui a igual período de tempo? Algumas certamente, daquelas pelas quais ninguém dá um tostão hoje em dia, mas certamente que não muitas. Além do acaso, algo que praticamente ninguém gosta de admitir, a qualidade das próprias obras é capaz de ter uma palavra a dizer.
Acho que é à distância que se pode avaliar melhor a qualidade das obras, e não «a quente». O tempo (e o acaso) se encarregarão delas.

Também não concordo com algumas questões pontuais que levanta, como a popularidade ou não de Chopin (que até está algo fora de moda; parece que as pessoas têm vergonha de gostar da música), que custa a muitos engolir, mas a questão de fundo parece-me ser o direito a não gostar. Não acho que seja um crime. Não sei por que hei-de ser obrigado a calar factos como não suportar, nem por sombras, por exemplo, Poulenc. Aliás, penso que, assim como certos músicos só são populares graças ao acaso (por exemplo muitos dos que visitaram os EUA, lista longuíssima, e que sem isso praticamente seriam desconhecidos na Europa natal), existe uma lista bastante grande de músicos que só são conhecidos porque (lá está o acaso) são ensinados nos conservatórios. Caso contrário seriam remetidos a outro lugar, provavelmente mais de acordo com a (falta de) qualidade das suas obras. O mesmo se aplica, por exemplo, à generalidade da música de câmara.

Re: Re: Re: Re: Re: Considerações pessoais

Bom... Temos realmente de chegar à conclusão de que discutir música é exactamente o mesmo que discutir religião, ou filosofia, ou metafísica... Cada qual defende acirradamente os seus pontos de vista e tem direito a isso. Só que, tal como nos debates religiosos entre os crentes das diversas confissões religiosas, raramente os opositores se aproximam do ponto de vista dos outros. Veja-se as posições firmes dos adventistas, dos evangelistas, etc. em oposição às dos católicos e vice-versa, por exemplo. Todas essas confissões religiosas dizem basear-se na Bíblia e algumas extirpam dela os chamados evangelhos apócrifos. Embora não seja exactamente isto que está em causa neste debate, serve esta observação para chamar a atenção para o facto de as sensibilidades serem muito diversas e cada uma ter o direito de aceitar ou não outras sensibilidades. Isto, independentemente do evoluir emocional e histórico da Humanidade.

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Replying to:

Concordo. Exprimiu-se bastante bem. Tomara este fórum ter mais intervenções tão boas.

No entanto... Já ouvi repetidas vezes a teoria segundo a qual quando não apreciamos uma obra a «culpa» não é desta mas sim nossa, que (ainda) não estamos à altura dela. Não concordo com isso em termos gerais. Mesmo admitindo que nem sempre estão (ainda) reunidas as condições necessárias para gostarmos dessa obra, por vezes acontece que nem ao fim de quarenta anos gostamos dela. É um facto, até bastante frequente. Por vezes (imensas, diga-se) o fenómeno é até colectivo. Será que não há obras más? Claro que há, e as que eu acha más não são as mesmas que outros acham.
Lembro que nem toda a gente tem a mesma opinião e há quem não se importe de chamar as coisas pelo seu nome e dizer que o rei vai nu. A impunidade dos músicos não tem razão de ser. Só porque são músicos não deixam de ser bons ou maus.

Outra coisa com que não concordo é a ênfase na falta de divulgação da música contemporânea, sobretudo no que respeita à A2. Quem a ouve há cerca de trinta ou quarenta anos sabe bem que isso não é verdade. Como escrevi antes, queixas do mesmo género há muitas, vindas de quase todos os quadrantes, sejam eles amantes de música antiga, barroca, etc. Só não parece haver queixas é quanto à conversa sem fim com que a A2 nos presenteia sem parar...
(para não falar da clara preferência por obras curtas, de pequena dimensão, e vocais)

Há também a questão «temporal». Repare-se que, por exemplo, Bach, e sobretudo Vivaldi, foram praticamente ignorados (Vivaldi totalmente desconhecido, mas isso deve ter sido obra da igreja) durante imenso tempo, até algo recentemente, o que é verdadeiramente inacreditável. Mesmo assim, em tempo verdadeiramente record, a música de Bach acabou por ser o que é hoje em dia. Que outras músicas poderão ambicionar o mesmo, daqui a igual período de tempo? Algumas certamente, daquelas pelas quais ninguém dá um tostão hoje em dia, mas certamente que não muitas. Além do acaso, algo que praticamente ninguém gosta de admitir, a qualidade das próprias obras é capaz de ter uma palavra a dizer.
Acho que é à distância que se pode avaliar melhor a qualidade das obras, e não «a quente». O tempo (e o acaso) se encarregarão delas.

Também não concordo com algumas questões pontuais que levanta, como a popularidade ou não de Chopin (que até está algo fora de moda; parece que as pessoas têm vergonha de gostar da música), que custa a muitos engolir, mas a questão de fundo parece-me ser o direito a não gostar. Não acho que seja um crime. Não sei por que hei-de ser obrigado a calar factos como não suportar, nem por sombras, por exemplo, Poulenc. Aliás, penso que, assim como certos músicos só são populares graças ao acaso (por exemplo muitos dos que visitaram os EUA, lista longuíssima, e que sem isso praticamente seriam desconhecidos na Europa natal), existe uma lista bastante grande de músicos que só são conhecidos porque (lá está o acaso) são ensinados nos conservatórios. Caso contrário seriam remetidos a outro lugar, provavelmente mais de acordo com a (falta de) qualidade das suas obras. O mesmo se aplica, por exemplo, à generalidade da música de câmara.

Re: Re: Considerações pessoais

Desculpe, mas não consegui ler a sua intervenção mesmo até ao fim. Devo ter lido cerca de 2/3 ou um pouco mais. É pena que a letra que o programa nos exibe seja tão pequena, o que torna cansativa a leitura. No entanto, sobre esta questão da música contemporânea, o que tenho a dizer é que, pura e simplesmente, não a sinto e que, como é frequente dizer-se, soa dissonante. É claro que, para muito entendidos, isto pode classificar-se como uma banalidade. Trata-se portanto de uma questão emotiva, emocional. Poderá haver excepções. Eu próprio já terei admirado uma ou outra obra contemporânea, posso admiti-lo, embora não me recorde objectivamente de qual neste momento. Luciano Berio, Xenakis e Janácek, por exemplo, serão -e sãono, com certeza - exemplos de um esforço sério no sentido de inovar. É verdade que a "Sagração da Primavera", de Stravinsky, causou um enorme escândalo na sua estreia. Eu próprio a escuto hoje com enorme prazer. Suponho contudo que as emissoras de rádio de todo o mundo têm as suas sondagens feitas e que chegaram à conclusão de que o público em geral foge das obras de música contemporânea, dessintonizando a estação que as está a emitir. Por outro lado, talvez elas achem que não é sua função praticarem pedagogia e que isso cabe às escolas de música. Escutando - como eu escuto - muitas estações estrangeiras de música clássica ou erudita por meio da minha antena parabólica, devo dizer que a esmagadora maioria não transmite música contemporânea, especialmente a mais avançada.
Penso que a emotividade e a sensibilidade humana vai evoluindo gradualmente e que é difícil fazê-la admitir "subitamente" (digamos...) novos parâmetros tonais e novas propostas musicais.

Re: Re: Re: Considerações pessoais

>>>Desculpe, mas não consegui ler a sua intervenção mesmo até ao fim. Devo ter lido cerca de 2/3 ou um pouco mais. É pena que a letra que o programa nos exibe seja tão pequena, o que torna cansativa a leitura.<<<

Se utiliza o IE, pode sempre clicar em «View», depois em «Text Size», e depois escolher «Larger» ou «Largest».

Re: Re: Re: Re: Considerações pessoais

Eu tentei, em experiência, utilizar alteração no tamanho do texto mas não funcionou. Dá-me a ideia que, muito provavelmente está tudo já automatizado pelo servidor.

Mas já agora (e em tom de brincadeira, longe de mim brincar com coisas tão sérias como a visão de cada um) consultem urgentemente um oftalmologista.
Eu tenho miopia, vejo bem ao perto, mal ao longe, mas o meu longe é cada vez mais perto. Ainda consegui ler o texto todo sem dificuldade, mas para lá caminho.

FONT SIZE - Considerações pessoais

Muito obrigado pela sugestão. Utilizo-a com frequência, mas aqui neste "site", não sei porquê, não funciona. Utilizo de facto o Internet Explorer 6.2. Noutros "sites" funciona, assim como no OUTLOOK EXPRESS. Acabo de experimentar.

Re: Re: Re: Considerações pessoais

Sim, concordo que, até certo ponto, discutir música é o mesmo que religião, fé, metafísica, etc. Mas repare-se que não insultei ninguém nem pus em causa o direito das pessoas não gostarem de música contemporânea. Direito temos todos, era o que faltava. O que disse foi, basicamente, que por vezes a culpa é nossa e não da obra, e que é dever das instituições que todos nós pagamos fazer um pouco de pedagogia, seja para a música de hoje seja para toda a música que sofre de marginalização graças a linguagens um pouco mais difíceis, mas que não significam necessariamente falta de qualidade intrínseca.

O grande problema ao discutir música contemporânea, e, aliás, qualquer tipo de música definida por épocas latas, tal como romãntica, barroca ou medieval, é sabermos exactamente o que é que estamos a discutir. John Adams e John Cage são ambos contemporâneos (embora este bastante mais velho que o outro - até já morreu...) e norte-americanos, porém não saberia indicar dois músicos mais diferentes um do outro que estes dois. Na geração próxima de Boulez temos o Ligeti, mas também músicos como Robert Simpson e Arvo Part. Novamente, estamos a falar de anos-luz de distância estética. Afinal, quem diz que não gosta de música contemporânea, está a renegar 50 anos de música e centenas de compositores, dos quais uma boa trintena é bastante boa, e uma boa dezena será mesmo genial, como em qualquer época da música.

A questão que eu ponho é pois: a pessoa que faz tal afirmação conhece todos os nomes minimamente importantes dos últimos 50 anos, conhece muitas das obras que compuseram, ouviu-as a todas mais que uma vez até ao fim? Porque se fez isso e não gosta de nada, tiro o meu chapéu! Se não o fez, e apenas tem uma ideia geral, baseada nalgumas obras que ouviu distraidamente, e logo desligou porque não lhe agradaram à primeira, então ao dizer que não gosta de música contemporânea está claramente a falar de um fenómeno geral que apenas mal conhece em particular, não sendo por isso muito válida a afirmação.

Embora correndo o risco de parecer agressivo com o forense, peço para nã interpretarem assim esta mensagem. Como sabem, se estivéssemos a falar pessoalmente, o tom de voz indicaria se a conversa era agradável ou agressiva. Gostaria que lessem este post como se eu estivesse a falar agradavelmente, pois é assim que estou a fazer enquanto escrevo. Efectivamente, creio que muitas vezes se fala demasiado em geral, por preguiça de investigar um fenómeno que de início nos desagradou. Vejo o mesmo para a música romântica, e para todos os outros tipo de música. Há alunos que me dizem "sabe prof, não consigo gostar de música romântica, aquela piroseira, o sentimentalismo, a retórica, etc". Ok, que fazer, será que a pessoa não gosta mesmo de nada (bolas, é muita música para não se gostar de nada!), ou está apenas a exprimir o seu JGBNPID (Juízo Generalizado Baseado Numa Primeira Impressão Desagradável). Se calhar ouviu algumas daquelas peças brilhantes de Liszt ou Paganini e achou barulhentas e vazias. Ou então ouviu uma valsinha ou um nocturno de Chopin, dos mais sentimentais, mal tocado ainda por cima, e pensou "que piroso". Ok.

Normalmente tento mostrar que nem toda a música romântica é pirosa, brilhante, vazia ou sentimental, embora alguma o possa ser, tal como alguma música contemporânea também pode ser chata, demasiado dissonante, unicamente experimental, ou sem sentido formal. Por exemplo, posso mostrar a essa pessoa uma das últimas Mazurkas de Chopin (nada pirosa), uma das últimas peças de Liszt para piano (nada brilhante), um dos Intermezzi de Brahms (nada vazio), ou as metamorfoses de Strauss (nada sentimentais). Tal como posso mostrar a outra pessoa peças contemporâneas que não são dissonantes (Arvo Part), chatas (John Adams), têm sentido formmal (Robert Simpson), ou nada têm de experimental (Gorecki). E como estes nomes, há muitos outros.

Generalizar é sempre perigoso. Generaliza-se uma frase, como por exemplo:

alguns árabe são terroristas
logo, todos os árabes o devem ser
resultado: o que se vê pelo mundo hoje em relação aos árabes

substitua-se por:

alguma música contemporânea é uma porcaria
logo, toda a música contemporânea é uma porcaria
resultado: sou capaz de estar a perder a audição de belas obras contemporâneas boas

Claro está que exagerei o exemplo, e não vem mal ao mundo se não ouvir Ligeti ou Part, mas vem mal ao mundo para nós enquanto criaturas que gostamos do belo. Podemos estar a perder, por descuido, muita coisa belíssima por esse mundo fora, seja ela música, arte, ou... sei lá, comida tailandesa?


Abraços a todos,

Sérgio Azevedo