Forum Português de Música

Fórum onde se discute música clássica e cultura em geral.

 

Forum Português de Música
Start a New Topic 
Author
Comment
View Entire Thread
Re: Re: RTP e a gravação do Requiem pelas vítimas do fascismo em Portugal...

Pois eu, que vivi naquela época tenebrosa, que sofri e vi sofrer injustiças revoltantes e - o que mais me revolta ainda - o silêncio abafando os crimes inspiradores deste “Requiem”, não tinha conseguido sentir nada por tal obra, ouvindo-a apenas em gravação.
Fui ao concerto para prestar homenagem a todos aqueles que sofreram muito mais do que eu, aos que perderam a vida porque, pensando de modo diferente do instituído, se recusarem a delatar e a deixar matar – como o nosso diplomata Aristídes de Sousa Mendes, - e a outros, menos ilustres que, abatidos a tiro, em público, sem terem cometido qualquer crime, deixaram crianças órfãs, a sofrer. Não vale a pena nomear estes últimos: dois deles ficaram imortalizados em canções de José Afonso e em poemas de Sophia.
Fui ao concerto com a ideia de assistir a um espectáculo muito pesado e depressivo, que nada mais poderia transmitir do que a renovação da dor que o inspirou. Enganei-me, porém: saí de lá com o entusiasmo de quem sente a alma renovada para todas as lutas contra a hipocrisia e a prepotência estúpida.
Cada uma das pessoas do coro lembrava-me uma alma torturada, não cessando de bradar por justiça, ao som do clamor das trombetas do juízo final, que os sopros pareciam querer representar. E verifiquei que esta missa de defuntos - composta por quem nunca se confessou crente – realça, com uma insistência bem apropriada, todas as partes presentes nas dos compositores mais conhecidos: até a dramática prece “Lacrimosa”, que Verdi nos deixou, numa ária tocante, e Mozart, num brado assustador.
È que Lopes Graça, - cujo valor global, como músico, não me compete avaliar, - era uma pessoa bem culta. Licenciado em Letras, deixou traduções, ensaios e outras obras primorosamente escritas e, no estudo que elaborou para a gravação, em vinil, do “Requiem” de João Domingos Bomtempo, vê-se bem que conhecia perfeitamente este género musical; Viana da Mota, com idade para ser avô dele, dirigia-se-lhe com grande respeito.
A sua cultura musical, e também a sua experiência de viver, preso e humilhado - tendo de ouvir os “pides” analfabetos chamarem-lhe mau músico (entre outros insultos) - levou-o a expressar plenamente o seu génio, nesta obra impressionante que preenche todas as condições para ser exibida até num templo católico ... de um país civilizado.

Ana Maria

RTP e a gravação do Requiem pelas vítimas do fascismo em Portugal...

Antes de mais desejo expressar os meus sinceros cumprimentos à Sr.ª D.ª Ana Maria pelas suas sábias e sofridas palavras. De seguida dizer também que coloquei a
mensagem que deu origem a todo este movimento de ideias ( por vezes muito erradas ) apenas para chamar à atenção das pessoas sobre a forma indigna com que estava a ser tratada esta obra na tentativa de a esconder dos portugueses, utilizando-a como se de uma estratégia politica se tratasse e dessa forma colocando-a ao baixo nível da politica e não ao alto nível da arte musical, onde sempre pertenceu.
E não foi apenas o problema da recusa da gravação. Foi também a pressão exercida sobre os patrocinadores, nomeadamente sobre a CML, pretendendo assim a desistência destes de facultar o apoio inicialmente oferecido à organização deste evento. Houve também quem tivesse andado a arrancar os cartazes que anunciavam o evento ou até a escrever nos mesmos palavras como : “ Morte aos comunas! “ entre outras. E foi achando que cabe a todos aqueles que ligados, ou não, ao meio musical lutar contra este tipo de “partidarização” das artes no nosso país que entendi que deveria revelar aquilo que conhecia em relação a este assunto. Por ultimo mas não de menor importância , gostaria de saudar o Coro Universidade de Lisboa, por se ter praticamente “empenhado” em termos financeiros de forma a que este concerto pudesse ter lugar pela 3ª vez no nosso país.
Foi apenas por estas razões e não por quaisquer outras que possam ter sido entendidas por pessoas menos “artísticas” do que aquilo que querem parecer!

Re: RTP e a gravação do Requiem pelas vítimas do fascismo em Portugal...

Meu caro Music Lover.
Grata pelos cumprimentos, quero dizer-lhe que também compreendi e apreciei as suas mensagens – e até achei apropriada aquela brincadeira com a dicção do pobre diabo que, no papel de lacaio, só deslustra o nome dos seus antepassados, militares e políticos ilustres do século 19. Infelizmente, a pronúncia ainda é, nele, o menor dos males!

È realmente bem triste que o fundamentalismo continue a grassar, neste país, agora já não aberta mas disfarçadamente imposto (ou tolerado, quiçá incitado, no caso dos cartazes), pelos poderes públicos, com desculpas esfarrapadas para pôr entraves a quem tem o direito de se juntar pacificamente, recordando, para mais, num espectáculo musical raro, e mostrando porque não se pode parar de exclamar: “fascismo nunca mais!” - mesmo sabendo que a História se repete.

Também concordo que o coro soube bem sentir o que estava a cantar: por isso destaquei a magnífica interpretação que nos deu, tal como a da orquestra, com o clamor da percussão e dos sopros. É que, mesmo não sendo uma obra muito melodiosa – como aquelas a que nos habituaram outros grandes compositores, - é esta talvez a mais autêntica das missas de “requiem” ou descanso eterno que só sugere após a representação musical do longo martírio por que as almas já passaram, para o merecerem.
Mas não há dúvida de que se trata de uma obra que só pode compreender-se vivida, não gravada. Talvez por isso eu, que cresci a ouvir a outra música de Fernando Lopes Graça (pois a rádio oficial antiga tinha mais coragem para o lembrar do que a actual A2), apenas gosto muitíssimo das “Canções Heróicas” – que só nos foi dado ouvir e ver interpretar, em 1974, pelo autor, ao piano, atacando os primeiros acordes, com toda a energia dos seus grossos dedos.
Eram as chamadas “canções comunistas”, e ai de quem as possuía! – os poemas, é claro, pois os “pides” sabiam lá ler música! E a estupidez era tanta que os autores desses poemas não passaram, - pelo menos, por causa deles, - pelo que passou, como autor das suas partituras, o comunista Fernando Lopes Graça. Assim se vê a força ... da música, para aterrorizar reaccionários.
Ana Maria

Re: RTP e a gravação do Requiem pelas vítimas do fascismo em Portugal...

Caro amigo A-L-G, a razão pela qual ainda não argumentou contra a genialidade da música do Lopes-Graça, tenho eu a certeza que se deve apenas em andar atarefado em colocar no papelão (pois julgo-o um amigo da natureza) os cartazes que arrancou,(principalmente aqueles da Cidade Universitária), e não pelo simples facto de, podendo não gostar da música do Graça (gostos não se discutem;lamentam-se...) não ter conhecimentos musicais que lhe permitam sequer analizar a música do Ruy Coelho (( e aqui estarei a sobrestimá-lo)desse deve gostar ) ou de um Emanuel (o pimba; que não o Nunes).

Cumprimentos ambientais.

Re: RTP e a gravação do Requiem pelas vítimas do fascismo em Portugal...

Cara Isabel,
qualquer figura pública pode naturalmente ser alvo de crítica pelas acções que faz ou que deixa de fazer, devido à maior ou menor visibilidade que tem, desde que essas críticas sejam fundamentadas e não insultem.

Creio que o post de 'music lover' (que não conheço) se enquadram nestes parâmetros que acima referi; o mesmo já não poderei dizer do seu comentário pelos adjectivos que utiliza (ex: idiota (ou será que quis elogiar? - aquele que tem ideias?)) e pela sua pretensão a Ministra do Ambiente aqui do Forum....

Desculpe a ironia deliberada.

Cumprimentos sinceros

Re: Re: RTP e a gravação do Requiem pelas vítimas do fascismo em Portugal...

O post de Herlander (e não só) tresanda a Music lover desdobrado em mil personagens.
Glosar defeitos físicos de outrem, mesmo com opiniões (políticas ou de outro cariz) radicalmente diferentes das nossas, creio não dever ser propriamente considerada como uma atitude de "elevada nobreza". E tenho a certeza (quase) absoluta que isso também os respectivos progenitores lhes ensinaram!

Re: RTP e a gravação do Requiem pelas vítimas do fascismo em Portugal...

Caro ML,

gostei muito dos seus textos, apenas corrigi-lo no seguinte; apesar da excelente colaboração do Coro da Universidade de Lisboa, quem se empenhou totalmente a nível financeiro pela falta de apoios para realizar esta obra foi o Coro de Câmara da Universidade de Lisboa.

Cumprimentos lopes-gracistas

Re: RTP e a gravação do Requiem pelas vítimas do fascismo em Portugal...

Cara Isabel,

não queira ser a detentora da verdade; esta é (asseguro-lhe) que eu o o ML somos pessoas diferentes. Lá por ambos termos a mesma opinião e ainda por cima contrária à sua, não creio que isso seja motivo suficiente para tirar a conclusão que tirou.

Quanto aos defeitos do dito senhor, aponto-lhe (a ele)um a que tresanda - a prepotência. Muitos mais lhe encontro, mas este chega para que tenha uma opinião negativa da pessoa em causa.

Cumprimentos pospotentes.

Re: Re: RTP e a gravação do Requiem pelas vítimas do fascismo em Portugal...

Nalguns homens, aquela diccção peculiar é realmente um leve defeito físico, e não conseguem corrigi-la; mas asseguro-lhes que conheci muitos - intelectuais falhados e até músicos apavorados por terem chegado à decadencia - que, nunca tendo falado assim, a passaram a adoptar, por julgarem que ela os torna mais notados pelo comum dos mortais.
Neste ministro, a peculiaridade è tão leve que me parece possível de corrigir, com força de vontade. Não se compara à daquela pobre senhora que, numa festa, dizia para um jovem militar: "Senhogue caguete, sente-se nesta cagueiga".

Re: Re: Re: RTP e a gravação do Requiem pelas vítimas do fascismo em Portugal...

Bem, não costumo meter-me nestas coisas, mas tem sido dita aqui tanta coisa que me pareceu, sem querer ser o Messias da verdade, dizer algumas coisas sobre o assunto.

1. Fui aluno e amigo de Lopes-Graça durante anos, como alguns devem saber. Orgulho-me disso como de poucas mais coisas na minha vida. Raras vezes convivi com pessoa tão amável e culta. Nunca, pese embora a pouca idade com que o conheci (16 anos meus, e até à sua morte, 10 anos depois), me tentou converter fosse a que política fosse, nem sequer se falava disso. Lá em casa comia-se bem, falava-se de arte e de outras coisas, mas de política praticamente zero. A cada um as suas opiniões. Nem nunca me lembro de alguém, algum aluno ou colega, se tornar comunista ou outra coisa qualquer por causa do Graça directamente. Como devem saber, o excelente dicionário Tomás Borba/Lopes-Graça foi escrito em colaboração com...um padre, dos vários que Lopes-Graça tinha como amigos, tal como tinha por amigos muitas outras pessoas que não partilhavam do seu credo político e até estético.

2. Um Requiem é uma missa dos mortos, normalmente cantada em latim, embora existam vários formatos (o de Britten, que tem inclusos outros textos em inglês). O Requiem de Lopes-Graça é cantado em Latim e o texto segue o texto litúrgico sem alterações. A música é uma linguagem abstracta de sons e silêncios, baseada em relações de alturas, registos, dinâmicas, tempos e outros elementos. Alguém me pode pois explicar porque é que o Requiem de Lopes-Graça é comunista ou outra coisa qualquer a não ser um Requiem?

3. Talvez o subtítulo possa afastar algumas pessoas. Mas então, não existiu Fascismo em Portugal e dele não resultaram vítimas? Estarão todos os historiadores, portugueses e estrangeiros, enganados? Até o próprio regime de Salazar estaria enganado com a própria designação, símbolos, políticas e outros elementos que tomaram dos italianos e depois dos alemães e espanhóis? E as vítimas do fascismo foram só comunistas? Não consta, a história diz-nos que muitos sofreram às mãos da polícia política apenas por terem opiniões contrárias (e as fazerem ouvir) às do regime.

4. Não gostar do Requiem do Graça por este ter sido comunista é como não gostar das traduções do Vasco Graça Moura por este ser de direita. Ambas as opiniões são fundamentadas em coisas que nada têm que ver com a arte, pelo menos com este tipo de arte. Que se não goste de um poema de Neruda directamente conectado com uma partidarização ou de uma canção heróica do Graça pela mesma razão, até compreendo, embora o valor intrínseco possa ser grande (olhai os poemas de Brecht...). Agora, dizer tal coisa do Requiem é, desculpem os que se sentirem atingidos, um completo non-sense.

5. Congratulo-me de viver num país onde, hoje, se pode comprar, lado a lado, o Mein Kampf, a Bíblia, o Livro Vermelho de Mao ou seja o que for. Estou no meu direito de comprar e analisar, eventualmente gostar ou odiar. Não tenho é o direito de arrancar cartazes, fazer pressões ou exercer meios violentos para impedir os outros de irem fazer o que gostam.Também não aprecio que todos os anos alguns saudosistas do antigo regime (não confundir com o verdadeiro regime setecentista!) fazça, rezar uma missa pela alma de Salazar. Porém, estão dentro da legalidade, e num regime democrático estão no seu direito, tal como eu tenho o direito de ver cartazes limpos a anunciarem o Requiem do Graça pela cidade. Quem não gosta, que não vá.

6. A atitude, se verdadeira, de Paulo Portas, em relação ao concerto do Graça, é claramente uma provocação política. Porém, nestas coisas acontece sempre o mesmo. Quando um medíocre tenta achincalhar um grande homem, um grande personagem que já está na História portuguesa, que se queira quer não, quem é que é achincalhado? o medíocre, está claro. Paulo Portas só nos provou, se realmente a história é verdadeira, aquilo que é. Nem preciso de o dizer, pois não? há por aqui senhoras...


Abraços,

Sérgio Azevedo